quarta-feira, 24 de julho de 2013

''De veri simile''. Retorno.

Retorno hoje a este espaço, que deixara há muito em suspenso. Com um tema que prevalece.
 
Havia deixado esta questão em suspenso.

De veri simile

O falso, a ilusão e o autêntico. Uma ubíqua e ambígua questão.

Introdução
Uma das mais recentes e mediáticas questões relacionadas com os critérios de atribuição de uma obra artística de referência ocorreu com a reapresentação ao mercado de uma pintura hoje atribuída a Velázquez sem contestação sustentável, a Santa Rufina adquirida pela Fundação Abengoa e oferecida à cidade de Sevilha.
Com o risco de repisarmos um assunto consecutivamente publicitado, invocamo-lo aqui como referente para desenvolver um tópico que se escora numa forma muito pessoal de ponderar várias questões envolvidas.
E a mais relevante é sem dúvida a seguinte: em que se fundamentavam as reservas manifestadas por muitos eminentes estudiosos da obra velazquiana na atribuição da obra. Esta questão é ventilada e enunciada sempre subliminarmente em todos os documentos e disputas que ilustram a polémica.
Mas a verdade é que sobre o itinerário de posse e de relação com a pintura pesava um inesperado episódio que remontava a cerca de 1875.
A pintura estava então na posse do Marquês de Salamanca e preparava-se a sua apresentação ao mercado, no leilão que o Marquês e o seu colaborador, o pintor José Madrazo, realizariam em Paris, Hotel Drouot.
A pintura trazia consigo um notável itinerário de posse e de uso, pois é já indiscutível que pertencera e integrara as colecções do Marquês de Carpio. E na memória que lhe subjazia andara sempre referenciada a Velázquez.
No contexto todavia em que agora o Marquês a apresentava, Velázquez não despertara ainda os apetites do mercado que conseguira despertar Murillo. O Marquês de Salamanca e José Madrazo reconstruíram então a memória e a história que a pintura transportava, por forma a suportarem uma atribuição a Murillo. É provável até, embora a documentação técnica que o Gabinete Técnico do Museu do Prado apresentou no simpósio de Sevilha em 2007 não desenvolva a matéria, que a pintura tenha sido sujeita a maquilhagem nesse contexto, rasurando tudo o que pudesse sugerir a mão de Velázquez e que só se revelou quando a Leiloeira Sothebys procedeu à criteriosa limpeza do quadro.(1)
Uma centúria e duas décadas após, para repor a pintura num valor de excelência, uma vez consagrado Velázquez como o grande mestre da pintura espanhola seiscentista, a ultrapassar gigantescamente o interesse que Murillo suscitara no passado, foi então necessário desmanchar este equívoco.
O ambiente conspirativo que rodeou toda esta operação é hoje já do conhecimento público, embora nem todos manifestem a perspicácia para dele tirarem radicais ilacções. O Gabinete Técnico do Museu do Prado omitiu o resultado dos exames exaustivos que realizara nos inícios da década de 1990, que só revelou após a aquisição definitiva pela Fundação Abengoa, em Abril de 2008. Pode mesmo deduzir-se que esses resultados orientaram a excelente obra de intervenção e limpeza que evidenciou na pintura as marcas mais inquestionáveis da autoria velazquiana.
Mas o certo é que, no desconhecimento de todos estes episódios, uma dezena de eminentes especialistas na obra de Velázquez, como Jonathan Brown, continuaram a contestar a autoria velazquiana e, mesmo em certos casos, a de Murillo. O debate transformou-se então numa disputa que envolvia, no fundamental, a validade dos estatutos. Cármen Garrido e Pérez Sanchez podiam com toda a segurança validar a atribuição velazquiana, porque estavam conspirativamente no conhecimento dos resultados dos exames realizados no Museu do Prado.
Os restantes intervenientes, Jonathan Brown, Calvo Serraller e muitos mais, permaneciam captivos das perturbações que a operação de cosmética e ilusionismo congeminada mais de cem anos antes pelo Marquês e por José Madrazo impuseram sobre a interpretação e observação da pintura.
Bem, o que pretendemos concluir é que, derradeiramente, o que prevaleceu foi o suporte da documentação técnica realizada secretamente no Museu do Prado. A polémica acerca de uma atribuição conclusiva só se encerrou quando Cármen Garrido exibiu, como quem tira um coelho da cartola, a documentação realizada havia mais de uma década no Museu do Prado e mantida em segredo, ou omissão, até então.
De resto, podemos bem concluir que a Fundação Abengoa só pôde adquirir o quadro pelos modestos 14.800.000,00 Euros porque então a documentação era desconhecida e a disputa prosseguia.
Ora este episódio é aqui reinvocado para ilustrar a perspectiva a partir da qual pretendemos abordar uma associação de tópicos: os malabarismos que podem suportar um discurso leviano e conspirativo acerca do falso; a utilização do estatuto do sujeito que emite opinião versus estatuto da documentação e investigação aprofundada como pressupostos para a validade da pronúncia acerca tanto do falso, como do autêntico; a peregrina ambiguidade conceptual que suporta o uso da nomenclatura, falso, cópia, réplica, etc.; a quem interessa, objectivamente, do ponto de vista de proveitos calculáveis, a indefinição dos critérios que suportam o juízo sobre o falso e o autêntico; o falso como uma das categorias, entre muitas, do veri similis.

Jonathan Brown acaba por se revelar um desistente face ao contexto conspirativo do mercado.
Escrevia o seguinte sobre a ''Santa Rufina''.


No Outono de 2007, em Madrid, declararia que desistira da sua ideia de negar a autoria Velazqueña da pintura, face aos elementos então revelados por Carmen Garrido com base nos exames realizados no Museu do Prado em 1990.
Só não disse que o Prado, ou Carmen Garrido, manteve os exames em segredo, comprometendo a reputação de uma dezena de investigadores sólidos e sérios.
Mas ainda acrescentou ''a história da arte não é uma ciência exacata''.
Suponhamos que sim, que existem ''ciências exactas''. As ciências envolvidas na documentação técnica e laboratorial seriam ''ciências exactas''. A história de arte de Jonathan Brown foi derrotada pelas ''ciências exactas''. Era o Que JB não podia dizer.